quinta-feira, 18 de abril de 2013

Dom Casmurro




Análise do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis*

O tema central da obra é o adultério.

Com relação ao enredo da obra, temos os seguintes estágios da ação:

Exposição: compreende a introdução, em que o narrador se apresenta e apresenta as demais personagens iniciais, sendo que os dois primeiros capítulos são utilizados para a apresentação própria e do objetivo do livro. 

Complicação: Do terceiro capítulo em diante, além de apresentar as personagens, decorre a narrativa retrospectiva da existência do narrador, que pretende, com ela, “atar as duas pontas da vida”. É aí, também, que se encontra o início da complicação. 
“Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo(…)” – Capítulo II. p.30.

Clímax: no capítulo CXXIII produz-se o choque e o conflito interior, pela suspeita despertada no espírito de Bentinho, estado de alma daí por diante agravado pela semelhança do filho e pelo próprio desenvolvimento íntimo da desconfiança devida ao ciúme.
“(…)Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...” – Capítulo CXXIII. p.220.


Desfecho: encontra-se no penúltimo capítulo do romance.
Classificação do desfecho:
- Fechado
- Previsível


Com relação aos personagens da obra, temos:
- Principais: Bentinho, Capitu e Escobar.
- Secundárias: José Dias, D. Glória, prima Justina.
- Protagonista: Bentinho.
- Antagonista: ciúme de Bentinho.
- Plana: D. Glória, tio Cosme, prima Justina, José Dias.
- Tipo: Escobar tornou-se símbolo de pessoa esperta e calculista. Esse poder simbólico aproxima-o mais do tipo.
- Esférica: tanto Bento quanto Capitu são personagens esféricas, isto é, pertencem à tipologia de personagens cujos traços psicológicos não são apresentados de uma só vez. Sua moral vai sendo traçada ao longo do romance.


Podemos caracterizar os personagens principais da seguinte forma:

- Bento Santiago pode ser definido como sendo narrador-protagonista. Seu nome já sugere alguns traços de personalidade: Bento + Santiago - abençoado e predestinado pela mãe ao sacrifício religioso. O menino cresce acreditando que vai ser padre, ingênuo e submisso. É preciso que outras pessoas revelem a ele seu amor pela companheira de brincadeiras, Capitolina.
Os principais traços de seu comportamento são o excesso de subjetividade, emocionalismo e temperamento sonhador e uma submissão total à vontade de sua mãe. Bentinho apresenta uma demora no amadurecimento psicológico devido à superproteção familiar. Demonstra encantamento e total dependência em relação à Capitu. É inseguro e incapaz de ter autodomínio em situações de tensão.

- Capitu (ou Capitolina) possui alguns aspectos importantes que devem ser ressaltados:
olhos de cigana oblíqua e dissimulada (visão de José Dias); olhos de ressaca (sensação de Bentinho, apaixonado e atraído pela força irresistível desses olhos); fria e calculista (acusações de prima Justina, que inveja Capitu); é inteligente, sagaz; possui capacidade de simular e/ou dissimular sentimentos e emoções; tem autocontrole diante de situações comprometedoras ou conflituosas; entre outras características pinceladas paulatinamente no transcorrer do livro.

Com relação ao tempo, trata-se de uma narrativa retrospectiva. Entretanto, aparecem nela tanto marcas do tempo cronológico quanto do psicológico:

- Cronológico:
é aquele tempo contado no relógio, horas, dias, anos, numa ordem linear de tempo. Uma sequência em sentido horário. Temos, como exemplo, o fragmento a seguir:
“— Morreu há meia hora, enterra-se amanhã. Mandei recado a sua mãe agora mesmo, e ela fez-me a caridade de mandar algumas flores para botar no caixão. Meu pobre filho! Tinha de morrer, e foi bom que morresse, coitado, mas apesar de tudo sempre dói.”
Capítulo LXXXIV. p. 165.


- Psicológico:
não segue uma ordem linear, sequencial. Pode remeter aos devaneios, às lembranças. Exemplificando:
“Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu.”Capítulo II. p. 30.

Com rela
ção ao espaço, tem-se que a história relatada no livro abrange os anos entre a metade e o final do século XIX e se passa no Rio de Janeiro. Tem-se, como exemplo de espaço físico, o seguinte fragmento do romance:
“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.”Capítulo I. p. 29. Com relação ao aspecto sócio-cultural, tem-se que Bentinho é filho único de uma família rica. [D. Glória]“Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar na casa de Matacavalos, onde vivera os dous últimos anos de casada.”Capítulo VII. p. 39.

Com relação ao foco narrativo, o narrador desse romance apresenta-se como de primeira pessoa, sendo, portanto, personagem. Ele recria o mundo, a vida e as pessoas com quem conviveu ao sabor das suas emoções e impressões gravadas na memória - um filho obediente, submisso, um adolescente inseguro e fantasista, um adulto ciumento e magoado, enfim, um marido revoltado que se considera traído e tenta justificar-se filtrando esse mundo através do pessimismo e da ironia.

Os recursos narrativos utilizados pelo autor na obra são:

- “Flash-back” é a interrupção de uma sequência cronológica narrativa pela interpolação de eventos ocorridos anteriormente. Como exemplo de “flash-back”, temos:
“Um dia, reinando outra vez febres em Itaguaí, disse-lhe meu pai que fosse ver a nossa escravatura.” Capítulo V. p. 36.

- Digressão
é o efeito de romper a continuidade de um discurso com uma mudança de tema intencionada. Pode ser, por exemplo, uma conversa com o leitor repentinamente. Temos, como exemplo de digressão, o seguinte fragmento:
“A Relendo o capítulo passado, acode-me uma ideia e um escrúpulo. O escrúpulo é justamente de escrever a ideia, não a havendo mais banal na terra, posto que daquela banalidade do sol e da lua, que o céu nos dá todos os dias e todos os meses.” Capítulo LXIV. p. 137.


Sobre os discursos, podemos exemplificar da seguinte forma:

Como discurso direto, tem-se:

“—São jóias viúvas, como eu, Capitu.
— Quando é que botou estas?
— Foi pelas festas da Coroação.
—Oh! conte-me as festas da Coroação!”
- Capítulo XXXI. p. 81.
-
Como discurso indireto, tem-se:
“(…)a mulher é que lhe disse que o melhor era comprar a casa, e guardar o que sobrasse para acudir às moléstias grandes.” – Capítulo XVI. p. 54.


Como conclusão, pode-se dizer que o romance Dom Casmurro de Machado de Assis nos permite fazermos a reflexão de que não conhecemos as pessoas que nos rodeiam e, às vezes, nem a nós mesmos. O narrador Bentinho, homem ciumento, narra o possível adultério de Capitu, sem lhe dar chance alguma de defesa: o que o autor nos deixou foi somente a versão de Bentinho. Como todo fato, há sempre os dois lados a se ouvir. Assim, seria preciso saber da defesa de Capitu e não somente do julgamento de Bentinho. Dessa forma, a dúvida permanece, pois nada foi provado de fato.

* Considerado quase que por unanimidade o maior escritor brasileiro em prosa, Machado de Assis inaugurou em nosso país um realismo psicológico sem precedentes nem continuadores, ao mesmo tempo que anunciou a modernidade literária em obras que até hoje mantêm-se novas. 


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