terça-feira, 23 de abril de 2013

Análise do poema "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio"

Ricardo Reis


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio*,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


* Na mitologia grega,
 o barqueiro que trabalha para Hades é Caronte, responsável por transportar as almas dos recém-mortos sobre as águas dos rios Estige e Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Uma moeda para pagá-lo pelo trajeto, geralmente o óbolo, era, por vezes, colocada dentro da boca dos cadáveres, de acordo com a tradição funerária da Grécia Antiga.


CARACTERÍSTICAS DO POEMA:


Pode-se perceber que na 1ª e 2ª estrofes, há um desejo epicurista de fruir o momento presente. Nota-se, também, a aceitação das leis do destino. Observe:


1ª estrofe: 


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Com relação a essa primeira estrofe, pode-se dizer que o sujeito poético está em busca de uma felicidade, e ela é relativa, uma vez que só é encontrada na natureza e nas coisas simples – remetendo-nos, portanto, ao epicurismo.
As expressões “beira do rio” e “sossegadamente fitemos o seu curso” remetem-nos ao aurea mediocritas e ao carpe diem horacianos, respectivamente, uma vez que refere-se à vontade de querer aproveitar o momento, e isso só é possível se feito diante da natureza, ao observar o rio correr.
Por meio da expressão “que a vida passa”, o sujeito poético propõe à pastora Lídia sentar-se com ele para observar o decorrer da vida, colocando o curso do rio como metáfora do passar da vida.
Com relação ao último verso dessa primeira estrofe, o eu lírico propõe à pastora que eles se amem.



2ª estrofe:

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Nessa segunda estrofe, percebe-se nitidamente a importância que o pensamento tem para o sujeito poético já no primeiro verso. É possível perceber, também, um certo fatalismo, em que ele diz que “[a vida] Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa”, ficando implícito que o fluxo da vida é sem volta, e assim como o rio segue seu fluxo a caminho do mar, a vida caminha rumo à morte.
A palavra “Fado”, no fim do terceiro verso, remete-nos ao destino, do qual nem os deuses escapam. Além disso, há referência aos deuses, o que nos remete ao paganismo greco-romano de que se dispõe o autor.


É possível perceber que da 3ª à 6ª estrofe, há uma renúncia por parte do poeta ao próprio gozo desse fugaz momento que é a vida. Observe:



3ª estrofe: 


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

No primeiro verso, o eu lírico propõe à pastora que desenlacem as mãos, ou seja, que não se amem, pois acredita não valer à pena se casarem, uma vez que o fim será sempre a morte – remete-nos, assim, ao estoicismo, em que nada vale à pena a não ser a aceitação das leis do destino.
Pode-se perceber, no final do segundo verso, a figura de linguagem comparação, conforme destacado, no fragmento acima, em negrito.
Com relação aos dois últimos versos, percebe-se, como figura de linguagem, a aliteração (sublinhada no fragmento acima), em que há a repetição do som consonantal “s”. Observa-se, ainda, nesses versos, que o sujeito lírico pretende afastar-se de tudo que possa lhe causar dor e sofrimento, demonstrando, assim, o epicurismo.



4ª estrofe:

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Nessa estrofe, observa-se, novamente, o epicurismo, em que o sujeito poético busca afastar-se do que poderá lhe causar sofrimento, dizendo que mesmo que haja amor, ódio, paixão, inveja, cuidado, o fim de tudo será sempre a morte.


5ª estrofe:

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

A quinta estrofe apresenta a ideia de que o sujeito poético poderia passar a vida beijando, trocando carícias, mas de qualquer forma a morte chegaria. Por essa razão, para ele, vale mais à pena moderar os prazeres para que chegue à morte “vazio” de sentimentos.
Nota-se, ainda, a aurea mediocritas no final dessa estrofe, em que o sujeito lírico faz referência, novamente, à observação do passar do rio (que metaforiza a vida, como já dito anteriormente).



6ª estrofe: 


Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Com relação ao primeiro verso da estrofe em questão, é importante observar que quem pega as flores é a pastora Lídia e não o sujeito poético – como já dito, para ele nada vale à pena.
Percebe-se, novamente, a aurea mediocritas e o carpe diem horacianos, em que ele contempla a natureza ao sentir o perfume das flores que estão no colo da pastora, o que suaviza o momento e faz com que o eu lírico o aproveite.
No último verso, há a referência ao paganismo, novamente.


Nas duas últimas estrofes, há a explicação dessa renúncia ser a única forma de anular o sofrimento causado por essa antevisão da morte. Observe:


7ª estrofe:


Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

Nessa sétima estrofe, o sujeito lírico diz que se ele morrer primeiro, a lembrança que Lídia terá dele será sem sofrimento ou dor, uma vez que viveram com tranquilidade e calma, sem grandes sentimentos.

8ª estrofe:

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio*,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

A última estrofe refere-se ao mesmo que a anterior, mas levando em conta a
morte de Lídia ser antes da do sujeito lírico, o que não o deixaria em sofrimento, uma vez que viveu indiferente às paixões e amores.
É possível identificar, nestas duas últimas estrofes, o eufemismo (marcado no texto), em que o uso de “se for sombra antes” e “se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio” atenuam o caráter trágico da palavra “morte”.

11 comentários:

  1. Obrigada por visitar meu blog!
    Sempre que posso, atualizo.
    Volte sempre!!!

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  2. Muito boa a análise. Conheço o poema há alguns anos e sempre gostei.

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  3. Obrigada por visitar meu blog!
    Sempre que posso, o atualizo com algumas análises como essa.
    Volte sempre!!!

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  4. Ótima análise, parabéns. Um lindo poema!

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  5. quero fazer algumas perguntas agora
    me responde hj agora

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  6. quero resposta logo....

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  7. Como você explica o verso: "Pagãos inocentes da decadência" ?

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  8. Muito obrigado por essa análise, parabéns ficou excelente.

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  9. Boa análise, obrigada pela partilha.

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